14 de maio de 2020 - por Daniel Dias / Agência AutoMotrix
Anfavea analisa a crise causada pela pandemia do coronavírus no mercado automotivo brasileiro e aponta saídas.
Se os números de vendas de abril divulgados na semana passada pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) foram alarmantes, a reunião mensal da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) com a imprensa – via teleconferência – para a divulgação dos resultados da produção e das exportações do quarto mês do ano teve um caráter quase de “arrasa quarteirão”. Desde o início da série histórica da indústria automotiva no Brasil, em 1957, não havia um mês com a produção tão baixa quanto abril deste ano. Em outras palavras, foi o pior desempenho do setor em toda a sua história no país. Com quase todas as fábricas paradas ao longo do mês, apenas 1.847 veículos foram produzidos, entre automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, uma queda de 99% ante março de 2020 e de 99,4% sobre o mesmo período do ano passado. Ou seja, nas duas comparações, o tombo foi quase total. As vendas, um pouco mais animadoras, foram resultado de emplacamento de modelos estocados nas fábricas e nas concessionárias, ofertados ao público por meio da internet, pois a maior parte das revendas também mantiveram suas portas fechadas.
“Nada será como antes”, prevê Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, quando questionado sobre como ficará o setor depois de passada a pandemia, com a citação do título de uma das principais músicas de Milton Nascimento. Para Moraes, é preciso em primeiro lugar proteger a saúde dos empregados da cadeia automotiva e dos consumidores e, ao mesmo tempo, encontrar meios para o Brasil não entrar em uma recessão tão grave que possa levar o país a um colapso. “Isso exige um engajamento coordenado de toda a sociedade e também do Estado brasileiro, com foco absoluto na saúde e na economia. Não é hora de ruídos políticos como os que estão vindo de dentro do Governo Federal. Seja na Justiça, na Economia, na Saúde, na Polícia Federal, todo dia tem um novo alvoroço em Brasília que não leva a nada. Eles só desviam as atenções do que realmente interessa à população brasileira no momento de uma crise sem precedentes”, afirma Moraes. O único indicador positivo é o nível de empregos diretos na indústria, até o momento estacionado em um patamar acima dos 125 mil na soma das vinte e seis associadas à Anfavea.
Paralelamente à crise, a entidade que representa as marcas com fábricas no país não admite ficar parada e estuda programas de retorno às atividades industriais e de varejo, elaborando protocolos de combate à pandemia da Covid-19. “Mais do que nunca, devemos ficar unidos. Os cuidados e procedimentos contra a proliferação do coronavírus para reabertura das fábricas e das concessionárias devem ser únicos e objetivos, tomados conjuntamente pela Anfavea e pela Fenabrave. Os protocolos de saúde devem ser os mesmos em todas as atividades”, enfatiza Moraes.
De acordo com os números divulgados pela Anfavea, entre os carros de passeio, abril teve 1,8 mil unidades produzidas no país, representando uma baixa de 99,4% ante o mesmo mês do ano passado e de -99% sobre março de 2020. No acumulado de janeiro a abril, os carros e comerciais leves somaram 587,7 mil unidades fabricadas neste ano, um recuo de 39,1% em relação a igual intervalo de 2019. Nos caminhões, foram montados pouco mais de quatrocentos veículos em abril, uma baixa de 95,7% ante o mesmo mês do ano passado e de -95,2% sobre março de 2020. De janeiro a abril, foram produzidas 25,1 mil unidades de caminhões, bem distante (-26,5%) das 34,2 mil do acumulado de 2019. Naturalmente, as vendas somadas dos quatro primeiros meses de 2020 tanto nos carros quanto nos caminhões foram garantidas pelo desempenho da indústria de janeiro a meados de março. Nas exportações, principalmente para a Argentina, o maior cliente do Brasil no setor, carros, comerciais leves, caminhões e ônibus embarcaram apenas 7,2 exemplares em abril, um tombo de 76,6% se comparado a março.
Entrevista com Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea
Em busca de novos caminhos
Como a Anfavea faz questão de salientar, a maior preocupação do momento durante a crise vinda da disseminação do coronavírus é com os empregados das fábricas e das concessionárias e os clientes. Na reunião de prestação de contas e esclarecimentos sobre a situação atual da indústria automotiva no Brasil, Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, fez um longo demonstrativo sobre os cuidados e as prevenções contra a Covid-19, no que seria praticamente um “protocolo de guerra” para a reabertura das fábricas e das revendas de veículos em geral. “Porque, afinal, nossas associadas não podem continuar fechadas indefinidamente”, explica Moraes.
P) A Anfavea apoia o presidente Jair Bolsonaro na imediata retomada da produção na indústria automotiva no país?
R - Nossa maior preocupação é com a saúde de empregados e clientes. Em geral, com o povo brasileiro. Não entramos na questão política.
P) Como fica o comentado aumento de preços dos veículos neste momento?
R - O dólar partiu de R$ 4, passou para R$ 4,60, chegou a R$ 5,85 e deve passar de R$ 6. Temos a pressão de custos. Existe uma combinação explosiva com a queda do volume de vendas e de produção com um custo adicional mais alto devido à crise. Quanto mais barulho tivermos vindo de Brasília, mais dificuldades teremos com a Economia. Todos os setores da sociedade brasileira estão convivendo com isso. O Banco Central já “queimou” US$ 50 bilhões para tentar controlar o câmbio mas ainda não resolveu nada. O aumento de preços não está nas nossas mãos. Enquanto isso, todo dia tem uma crise política vinda do Governo Federal – uma pela manhã, outra à tarde e outra à noite. Se essa turma de Brasília não enxergar qual é a gravidade desta crise, não teremos saídas. O setor produtivo sofre demais enquanto o câmbio está com essa volatilidade toda. A alta de preços aumentaria também o prejuízo. Todos temos contas a pagar, folha de pagamento e tudo o mais. Só peço uma coisa para o Governo: ‘cuide do Brasil!’
P) O BNDES está discutindo há mais de quarenta dias sobre a questão de investimentos. Por que tanta demora?
R - Nossa proposta não utiliza dinheiro público. Estamos buscando garantias, procurando usar a liquidez do sistema bancário, um dinheiro que já está no sistema. E não estamos pedindo subsídios na taxa, porque não é o momento de pedir isso para as montadoras. Na última década, as matrizes enviaram US$ 24 bilhões para as filiais brasileiras. Mas as decisões finais têm de ser do Ministro da Economia.
P) Em meio à pandemia, o brasileiro já está mudando de padrões de consumo no setor automotivo?
R - O brasileiro gosta de tecnologia, de segurança, de conforto, de conectividade. Tudo isso continua. Mas tem um dilema econômico, com a perda de renda e de empregos. Isso afeta o processo de decisão da compra. O consumidor está sim procurando carros mais simples agora, no entanto, voltará à situação de antes em seguida. Além disso, estar dentro de um carro pode ser uma proteção pessoal, as pessoas estão evitando o transporte público. Está havendo uma mudança de comportamento com a doença. Estamos observando esses movimentos, entretanto, ainda não sabemos como será o perfil do novo consumidor brasileiro. De forma virtual, o cliente está vendo o que quer e ele procura o carro de forma mais objetiva. Por exemplo, as vendas das picapes caíram menos que as de carros, porque o comprador de uma picape já sabe bem o que quer, como o de caminhões e de ônibus. Veremos qual será o “novo normal” do Brasil, porque o antigo, exatamente, não mais voltará.
P) Na China, as pessoas estão procurando mais por um “carrinho” qualquer para escapar do transporte público. Isso acontecerá por aqui?
R - O comportamento das pessoas está mudando com a pandemia. No supermercado, na farmácia, em todos os lugares. A gente ainda não tem uma solução na área médica, não temos uma vacina nem um medicamento realmente eficaz para controlar a situação. Então, o brasileiro pode sim ter um comportamento parecido com o do chinês enquanto não tivermos uma solução na área de saúde. Mas teremos com certeza. Valorizo muito o trabalho dos cientistas. No entanto, mesmo que voltemos a ter uma “vida normal”, acho que nosso comportamento mudará para sempre. Nada será como antes.