Tubarão fora d'água - Dias ao Volante

Ir para o conteúdo

Menu principal:

Tubarão fora d'água

07 de outubro 2016 - por Luiz Humberto Monteiro Pereira  jogoscariocas@gmail.com
 
 
 
 
Depois de acender a pira paraolímpica e anunciar sua aposentadoria como atleta, Clodoaldo Silva encara novos desafios
Houve um tempo em que o esporte paraolímpico nacional não tinha visibilidade, não recebia investimentos e a sociedade brasileira desconhecia totalmente seus atletas. Em 2004, nos Jogos de Atenas, o nadador potiguar Clodoaldo Silva começou a mudar essa história. “Lá, o Brasil conquistou 14 medalhas de ouro e eu levei seis ouros e uma prata. Saí de Atenas como o grande nome do esporte paraolímpico brasileiro. O país começou a reconhecer o esporte paraolímpico e seus atletas. Houve investimentos, principalmente do Governo Federal, em todos os níveis de atletas, estudantes, jovens... E surgiram mais competições nacionais”, lembra Clodoaldo, que teve paralisia cerebral causada por falta de oxigenação na hora do parto, o que comprometeu parte de seus movimentos. O feito em Atenas lhe rendeu o apelido de “Tubarão das Piscinas” e influenciou um nova geração de nadadores, como Daniel Dias e Andre Brasil – que descobriram a natação competitiva a partir das medalhas de Clodoaldo.
Em cinco participações paraolímpicas, Clodoaldo acumulou 6 medalhas de ouro, 6 pratas e dois bronzes. No Rio de Janeiro, competiu nas provas de 50 m livre e 100 m livre e revezamento 4X50 m livre – no revezamento, levou a medalha de prata. Mas a maior emoção veio na abertura da competição, quando foi convidado a acender a pira paraolímpica. “Ficaria feliz apenas de ter participado das Paraolimpíadas no Brasil. Conduzir a tocha, acender a pira e ainda conquistar uma medalha da prata foi algo realmente incrível”, emociona-se o nadador, que ao final do evento anunciou sua aposentadoria das competições. “Todos os objetivos que tinha nas piscinas eu já consegui. Agora eu procuro novas metas – que estão fora da água”, avisa

Esporte de Fato - Como surgiu a decisão de se aposentar das competições?
Clodoaldo Silva – Quando acabei as Paraolimpíadas de 2012, em Londres, tinha a ideia de me aposentar lá. Só que recebi milhares de mensagens, pensei na seleção brasileira, pensei muito na minha filhinha que tinha nascido há um ano e não teria lembranças do pai competindo... Mas o que mais pesou foi o fato das Paraolimpíadas de 2016 serem no Rio de Janeiro. Tinha certeza de que seria inesquecível – e realmente foi. Daí decidi me dedicar por mais quatro anos para poder participar. Foram quatro anos de sacrifícios e dores – tenho duas hérnias de disco e isso não é fácil. Se me faltava algo para encerrar a carreira com “chave de ouro”, aconteceu no Rio de Janeiro. Pude acender a pira paraolímpica, que era algo que eu queria, mas não imaginava que seria o escolhido. E ainda consegui ganhar uma medalha nesse evento de despedida. No Rio, os brasileiros abraçaram o esporte paraolímpico. Todos os dias, em todas as arenas, havia  público. Depois de cinco participações paraolímpicas, vi que o esporte brasileiro não precisa mais de mim dentro das piscinas.

Esporte de Fato - Agora que está aposentado das competições, quais são os seu planos?
Clodoaldo Silva – Vou continuar praticando natação, para manter a minha qualidade de vida. E também para inspirar outras pessoas, com ou sem deficiência, a entrarem no esporte. Irei às competições – terei inclusive mais tempo para assistir provas que não sejam natação. Eu sei da importância do meu papel fora da água. Pretendo me aperfeiçoar nas palestras que eu ministro em todo o Brasil. No Time Nissan, eu e a Hortência Marcari colocamos toda a nossa experiência para mostrar aos atletas como encarar e solucionar as dificuldades. Oficialmente o Time acaba no dia 31 de dezembro, mas como as próximas Olimpíadas e Paraolimpíadas serão no Japão e a Nissan é uma marca japonesa, a gente espera que o projeto possa ter continuidade. As conversas estão muito boas nesse sentido. Entre 2004 e 2008, eu mantive o Instituto Clodoaldo Silva, um projeto social em Natal, voltado para crianças e adolescentes, com e sem deficiência física. Quando tive de mudar de lá, o projeto acabou. Com a minha aposentadoria como atleta, pretendo retomá-lo – e talvez até expandir para outras cidades.

Esporte de Fato - O que achou da sua participação nas Paraolimpíadas do Rio?
Clodoaldo Silva – Nem nos meus melhores sonhos eu imaginaria que seria tão boa. Gostei dos meus resultados. Eu estava bem fisicamente, psicologicamente. Acender a pira e ganhar medalha na minha quinta edição das Paraolimpíadas foi sensacional. Ficaria feliz apenas de ter participado.

Esporte de Fato - E como avalia a participação brasileira?
Clodoaldo Silva – Não só na natação, mas nas 22 modalidades que ocorreram nas Paraolimpíadas do Rio, o Brasil se saiu muito bem. O nosso grande objetivo era a quinta colocação no quadro geral de medalhas – terminamos em oitavo lugar. Mas se formos ver em números, foi satisfatório. Nunca antes nas Paraolimpíadas o Brasil ganhou tantas medalhas, com tantos atletas e tantas modalidades diferentes. No ranking dos países, o que conta são as medalhas de ouro. Alguns países investem toda a sua estrutura em poucos atletas, que individualmente conquistam muitas medalhas. No Brasil, desde 2004, se investe não apenas nos grandes atletas que podem ganhar medalha de ouro – investimento é feito em toda a equipe. Pessoas que foram décimo lugar em Londres conseguiram chegar ao pódio no Rio. O esporte paraolímpico brasileiro investiu em uma grande base de atletas. O caminho está correto. Se o trabalho tiver continuidade, eles têm tudo para estar no alto do pódio em Tóquio, em 2020.

Esporte de Fato - O que deve ser feito em termos de preparativos para os Jogos Paraolímpicos de 2020, em Tóquio?
Clodoaldo Silva – O comitê paraolímpico do Brasil está com uma estrutura muito boa, em São Paulo – o Centro Paraolímpico Brasileiro. Mas esse Centro só está garantido até junho do ano que vem – são 12 meses de concessão. Se espera que o Comitê Paraolímpico do Brasil possa obter a concessão para utilização daquele espaço até Tóquio 2020. Se os investimentos puderem continuar e o espaço de treinamentos for mantido, com certeza o Brasil terá condições de buscar uma posição ainda melhor no ranking de medalhas paraolímpicas.

Esporte de Fato - Alguns analistas afirmam que a era dos chamados “multimedalhistas” – nadadores que são competitivos em todos os estilos, em diversas distâncias, e conquistam várias medalhas nas competições – está acabando. Segundo eles, daqui para a frente, a tendência é que as medalhas das competições sejam divididas por mais nadadores – os especialistas em cada estilo e em cada distância. O que você acha dessa afirmação?
Clodoaldo Silva – A cada ano que se passa, o número de nadadores que compete nos quatro estilos vem diminuindo e cresce a quantidade de atletas especialistas em uma única modalidade – às vezes, em uma única distância. Se um nadador quer nadar todas as provas, dificilmente vai conseguir o melhor resultado em todas. Até os músculos que o nadador trabalha em cada estilo são diferentes. E quanto mais músculos são levados ao limite, maiores são as possibilidades de lesões. Na mesma semana em que um nadador treina os quatro estilos, seus competidores estarão se focando em um único estilo, em uma única distância, para obter o máximo rendimento nela. Com tecnologia, com biomecânica, os especialistas vão se tornando difíceis de superar. Os treinos estão mais específicos. Quem é bom em provas de explosão, normalmente não vai tão bem nas provas de resistência. Assim, provavelmente será cada vez mais difícil surgirem novos “multimedalhistas” nas piscinas.

Sem comentários
Voltar para o conteúdo | Voltar para o Menu principal